segunda-feira, 31 de maio de 2010

A sala pressionada

Persianas azuis, altas, leves. Uma sala retangular que abriga as diversas máquinas humanas que se misturam em um raciocínio envolvido pela ciência. Pôsteres cobrem uma das paredes, e a outra se ocupa de janelas. Propagandas de festivais, cursos, congressos.. quadros beirando a porta. São duas entradas de luz que, mesmo abertas, não alimentam a sala de suficiente energia.

As mentes se entreolham esperando uma nova curiosidade, uma ideia, enquanto que, dentro dos sete pequenos armários, os mais variados assuntos se acumulam, se ordenam e esperam a curiosidade vir abrir a porta. A sala é envolta por uma memória de discussões, agradáveis ou não, que já se contabilizam há anos.

O relógio passa, corre e não se prende a tensão que se acomoda em cada uma das ásperas azuos que contornam harmoniosamente a mesa oval que destoa de sua cor natural pelas várias passadas de produtos de limpeza. As palavras, que entravam na sala cuidadosamente despercebidas, se jogam agora em cima da mesa disputando atenção e carisma umas com as outras. Elas defendem as ideias vindas das mentes confortavelmente sentadas nas cadeiras.

O tempo passa e o sol começa, sorateiramente, a se intrometer, entretanto, seu calor o denuncia e a persiana o castiga com a exclusão mediante algumas pequenas espiadas colaboradas pelo suave assopro do vento.

A cada definição estabelecida, a tensão se afrouxa até a mente, que encabeçada a mesa oval, finalizar o assunto acordado e agraciar as outras mentes com um desejo sincero de boa sorte.

terça-feira, 11 de maio de 2010

Viagem programada

São onze e meia da noite. Cama desfeita, bagunça, armário aberto, cabides vazios. Sacos, sacolas. Blusas, casacos, calças, calcinhas se misturam ao lençol amassado que ainda resguarda o resto do sono não dormido. O sábado prometeu. A ansiedade agora toma conta do ambiente que se tensiona a cada tic dos segundos do relógio.

No outro cômodo, a batida do descanso do ferro de passar ritmiza a sequência de roupas que se estendem na tábua. A tensão é maior ali. As perguntas, dúvidas, esperanças e preocupações se entrelaçam com a felicidade que sustenta as lágrimas de não derramarem antes da hora.

Na sala, a calma impera aos olhos de quem assiste a cena, entretanto, o redemoinho que movimenta os pensamentos é movido também pela agitação marcada par o dia seguinte. O sono chega. Ele se levanta e vai deitar. A manhã será agitada; trabalho, cliente; e a tarde guarda a garantia do trânsito até o aeroporto.

O ferro que ainda trabalha incansavelmente não cede intervalo ao sono, porém, o cansaço ultrapasssa o obstáculo deixando um rastro de sonecas interrompidas.

O primeiro cômodo se esvazia aos poucos. Potes se encaixam em nécessaires, documentos e passaporte se ajeitam em envelopes, brincos entram nos casulos. Chinelos na mala; pés descalços. Há muito o que ainda revirar até achar as compras do dia anterior que se perderam entre objetos, gata, lençóis, edredom, saco, sacolas, mala....

A agenda reencapada na capa e verso por um mosaico colorido de sobreposições de fotos, presente de despedida, já tem lugar certo: bagagem de mão; dentro dela estão os depoimentos das amigas que não a esquecerão, dos pais que a amam acima de tudo e da irmã que, neste exato momento, escreve este pedaço de história.

A gata que, em outra hora, reinava nas atenções noturnos por seus pinotes incansáveis seguidos de suas tentativas sutis de esconderijos entre almofadas ou sob o edredom, agora se confunde por entre os diversos objetos que ocupam a casa. Mesmo assim, na falha tentativa de retomar a atenção, a magrela felina se diverte entrando e saindo das dezenas de sacos plásticos que enfeitam feiamente o ambiente, desviando a atenção da menina que interrompe rapidamente as dobradas de roupa para uma carícia no corpo delgado e macio da pequena arteira que considera como filha. Os armários se fecham.

A essa hora, o ferro já não sonoriza a casa; o homem já descansa. A menina se apressa na expectativa de parar o relógio que só teima em correr. A mãe transfere as preocupações: da ansiedade da partida para a pressa de alcançar o descanso para o agito da segunda-feira que vem chegando.

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Esperança de vésperas

Sentada na poltrona de tom bege, desgastada pelo tempo, a velha se deixa folgar em seu descanso de meio de manhâ. A sala é uma mistura de épocas que se encontram e criam histórias que as paredes sozinhas poderiam, aos sussurros, contar para o mais inusitado visitante.

A rua tranqüila só se deixa enganar pelas dias de pastel. O bar da esquina sugere e o cheiro de recém frito ataca os vizinhos, arrastando-os para a rua.

São dez horas, a porta recém pintada de um marrom forte, que quase cheira o carvalho de sua cor, está aberta; dois quadros harmonizam a parede da direita de um nuance mais claro de bege que o sofá e a poltrona; o presente de uma das muitas netas enfeita outro pedaço da parede; abaixo, a mesinha redonda de canto se acomoda no pequeno espaço que não permite que os outros vejam sua beleza de anos atrás; o telefone está sobre ela, junto também da pequena caderneta que guarda os telefones úteis, os inúteis e dos sete filhos que teve. A televisão que ocupa um dos cantos do cômodo conversa com as paredes contando os mínimos detalhes do preparo do almoço de dia das mães. A velha sonha acordada enquanto a brisa leve da manhã passa por entre a cortina fazendo-a dançar ao se encostar na janela meio aberta. Dois dias para o dia das mães.

A cozinha, mais uniforme de enfeites que a sala, se impõe mais que qualquer canto pelas elaborações aromáticas que se criam em suas panelas surradas pelo intenso uso. A coifa, presente do primeiro filho, dá o quase imperceptível ar de modernidade não desejada. As geladeiras e fogão, também presente, entretanto do filho três, realçam o vigor da velha de agarrar pelas entranhas do estômago a esperança de reunir a família toda.