segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Conversa de Criança

Minha barriga já estava cheia, eu sentia isso mesmo mamãe dizendo que a barriga fica satisfeita. Eu sentia ela cheia, imaginava como aquela bexiga da festa da Isa só que não tinha balas porque hoje não teve sobremesa. Meus doces seriam feitos de almoço. Pirulito enrolado de macarrão, bala de almôndega, chicletes de queijo, paçocas de batata frita.

Gostava de ficar cheia, mas não só de comida. Queria cheieza de mais coisas comigo. Às vezes, quando ia brincar na frente de casa com a Dida ficava pulando corda com ela. A gente olhava pra cima e via o sol dar tchau antes que a brincadeira acabasse. Minha mãe abria a porta e pedia para entrar, dizia que eu tinha enchido a tarde de corda. E eu tinha que obedecer e não queria entrar. Não me sentia cheia como no almoço. Era estranho.

Teve outra vez que também foi estranho, acordei e era de noite. Fiquei com medo e fui pro quarto da mamãe. Gostava de dormir no meio deles. O papai me apertava e dizia que me protegia de pesadelo e mamãe fazia carinho na minha cabeça. Sempre eu acordava no meu quarto no dia seguinte e o papai dizia que tinha uma mágica para eu voltar pro meu quarto protegida de pesadelo. Nunca consegui ver essa mágica.

Mas eu fui pro quarto deles e escutei o papai contar pra mamãe que tinha um saco cheio do chefe do trabalho. Quando deitei do lado dele perguntei onde ele guardava as coisas cheias. Eu bocejei. Ele riu pra mim e disse que eu tinha que dormir porque estava cheia de sono. Mas também não senti isso.

Comecei a achar estranho tanta cheieza estar na minha vida sem eu perceber tudo isso. Queria tanta isso no começo e agora não consigo nem mais ver. Não queria ser mais tão cheia, queria ficar só satisfeita. Não sabia qual era a sensação do satisfeita. Mas eu queria.

0 comentários:

Postar um comentário